Coinfecção por Chlamydia trachomatis e Neisseria gonorrhoeae
Uso do teste conjunto por PCR em amostra de urina aumenta índice de detecção desses agentes.
Artigo publicado no site do Fleury Medicina e Saúde.
Infecções sexualmente transmissíveis (IST) determinadas pela Neisseria gonorrhoeae e/ou pela Chlamydia trachomatis são comuns e consideradas as duas causas bacterianas mais prevalentes de tais condições em todo o mundo, particularmente em países em desenvolvimento.
A Chlamydia trachomatis é uma bactéria desprovida de parede celular e sua multiplicação in vitro só ocorre em cultura de células eucarióticas. A maior prevalência da infecção se dá em pessoas com idade igual ou inferior a 24 anos. A infecção assintomática é comum tanto em homens quanto em mulheres. Na população feminina, ocasiona cervicite e pode ter consequências mais graves, que incluem doença inflamatória pélvica, gravidez ectópica e infertilidade, caso não seja diagnosticada e tratada. As uretrites não gonocócicas têm, como etiologia, a C. trachomatis em 15% a 40% dos casos.
Já a Neisseria gonorrhoeae é um diplococo gram-negativo intracelular que responde por uretrites, principalmente em homens, e, nas mulheres, pode provocar uretrite ou cervicite, as quais, sem tratamento, resultam também em doença inflamatória pélvica, infertilidade e gravidez ectópica. A artrite gonocócica configura outra complicação em ambos os sexos quando a infecção genital não recebe abordagem terapêutica. Enquanto as infecções são sintomáticas na maioria dos homens, frequentemente cursam sem manifestações nas mulheres.
Por vezes, os indivíduos que apresentam N. gonorrhoeae podem estar coinfectados pela C. trachomatis. Nos casos de uretrites, por exemplo, embora possa não haver causa infecciosa, a etiologia mais frequente é mesmo a infecção por Neisseria gonorrhoeae e/ou Chlamydia trachomatis, com índices de coinfecção em até 4% dos pacientes – na literatura, alguns estudos relatam índices de até 60%.
O diagnóstico desses quadros por meio da PCR em tempo real apresenta elevadas sensibilidade e especificidade, superando outras técnicas, como a imunofluorescência direta. O exame mostra-se útil tanto para a confirmação etiológica quanto para o rastreamento em indivíduos assintomáticos.
No estudo de Seo et al. (2019), 4,5% dos homens e 15,5% das mulheres com infecção pela N. gonorrhoeae também apresentavam positividade para C. trachomatis, enquanto 3,7% dos homens e 1,8% das mulheres com C. trachomatis estavam coinfectados pela N. gonorrhoeae. Contudo, o risco de coinfecção diminui com o aumento da idade nas mulheres em ambos os cenários. Na população masculina, homens com menos de 25 anos infectados pela C. trachomatis exibiram maior risco de coinfecção pela N. gonorrhoeae.
Taxa de positividade da coleta conjunta de C. trachomatis e N. gonorrhoeae em amostras genitais e urinárias por PCR
De modo geral, para o diagnóstico das uretrites, recomenda-se que o teste seja realizado em urina de primeiro jato, que apresenta a mesma sensibilidade, se não superior, àquela observada no raspado uretral, e evita o aumento da disúria decorrente da raspagem da uretra para a coleta da amostra, necessária para o diagnóstico de C. trachomatis nesse material clínico. Nas mulheres, para a investigação de endocervicites, utiliza-se a coleta de secreção endocervical ou vaginal. Esta última, ainda que não idealmente, mostra-se como uma opção, com taxas de sensibilidade e especificidade muito semelhantes às do raspado endocervical.
No entanto, dados resultantes de recente estudo, feito pelo Fleury com cerca de 197 mil testes, mostram que a pesquisa conjunta desses patógenos em amostra de urina apresenta taxas de detecção mais elevadas do que as obtidas com raspados, indicando que a amostra de urina primeiro jato configura a alternativa ideal para o diagnóstico – o que só é corroborado quando se soma a isso a facilidade da coleta de urina e o fato de ela não ser invasiva.
O levantamento realizado no Fleury, com dados de exames dos últimos cinco anos, avaliou os resultados de PCR de 197.308 exames para detecção de C. trachomatis ou N. gonorrhoeae. Em 19,4% dos testes (n = 38.208), os dois patógenos foram pesquisados simultaneamente, tendo sido encontrado um índice de coinfecção de 0,07%. Considerando esses percentuais, o número estimado de casos não diagnosticados, quando o teste conjunto não foi solicitado, chegou a 111 casos.
Quando analisados os resultados da pesquisa em raspado genital em mulheres, em comparação à amostra de urina, estima-se um número de aproximadamente 490 casos falso-negativos para a pesquisa de C. trachomatis e de cerca de 20 falso-negativos para N. gonorrhoeae.
Esses dados evidenciam que o teste conjunto de C. trachomatis e N. gonorrhoeae em amostras de urina pode aumentar os índices de identificação desses agentes em comparação à pesquisa em amostra vaginal.
Resultados positivos para C. trachomatis e N. gonorrhoeae em raspados genitais e de urina em mulheres (de 1/1/2015 a 30/6/2020)
Raspado genital | Urina | |
N/total* (%) | N/total* (%) | |
C. trachomatis | 2.151/107.364 (2,05%) | 521/21.174 (2,46%) |
N. gonorrhoeae | 100/31.945 (0,31%) | 18/4.771 (0,37%) |
*Número de resultados positivos/total de amostras.
Quando rastrear esses patógenos?
O CDC norte-americano recomenda o rastreamento anual desses patógenos em mulheres sexualmente ativas com idade ?25 anos ou acima dessa faixa etária, desde que haja fatores de risco (novo parceiro sexual, múltiplos parceiros sexuais, parceiro sexual com IST etc.).
Chlamydia em outras localizações
A positividade para C. trachomatis em outras localizações também foi avaliada no estudo feito no Fleury. Os índices encontrados foram:
- Positividade em punção linfonodal de homens e mulheres: 29,2% (12/41)
- Positividade em raspados conjuntivais de homens e mulheres: 45,4% (40/88)
- Positividade em raspados retais de homens e mulheres: 14,1% (51/361)
- Positividade em raspado orofaríngeo de homens: 37,7% (23/61)
Observação
O Fleury continua colhendo raspados de várias localizações, sempre que solicitados pelos médicos-assistentes.
Referências
Centers for Disease Control and Prevention. Sexually transmitted diseases treatment guidelines, 2015. MMWR Recomm Rep. 2015 Jun 5;64(3). Disponível em: https://www.cdc.gov/std/tg2015/tg-2015-print.pdf. Acesso em 21/10/2020.
Seo Y, Choi K-H, Lee G. Characterization and trend of co-infection with Neisseria gonorrhoeae and Chlamydia trachomatis from the Korean National Infectious Diseases Surveillance Database. World J Mens Health. 2019 Dec 27. doi: 10.5534/wjmh.190116.