Especialista: ovário policístico pode desencadear diabetes

A síndrome do ovário policístico, conhecida como SOP, é comum na população feminina em idade reprodutiva, entre 12 e 50 anos. A doença atinge em média de 5 a 10% das mulheres. Apesar de ser frequente, o que muitas desconhecem é que a SOP pode ser responsável pelo desenvolvimento de outros males, como diabetes, doenças cardiovasculares e até câncer de endométrio.

O ginecologista e obstetra Luiz Henrique Silva, do Hospital e Maternidade Brasil, em São Paulo, explica que a SOP é diferente do ovário policístico, que é uma alteração benigna comum na população feminina em que o ovário possui diversos microcistos. Já a síndrome, além de apresentar os ovários aumentados por causa dos diversos cistos, também possui outros sintomas clínicos.

A doença ainda é um mistério para a medicina, já que não tem uma causa definida. “Não existe uma causa específica para o problema, mas sabe-se que é causado pelo desequilíbrio de alguns hormônios importantes, em que a mulher com SOP possui um nível hormonal de hormônio masculino importante (testosterona) associado a um aumento da resistência à insulina”, afirma o especialista.

Gustavo Arantes Rosa Maciel, ginecologista e professor assistente da Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP, diz que o primeiro alerta de que a mulher possa ter o problema é quando a menstruação é irregular e apresenta alterações relacionadas a hormônios, como aumento de pelos e acne.

“A mulher não ovula todo mês, então a menstruação tende a atrasar, e pode atrasar meses. Além disso, a medicina descobriu há alguns anos que essas pacientes têm algumas alterações metabólicas. Elas têm uma tendência a ganhar peso e a ter alterações na glicose, que no futuro pode virar diabetes. Essas pacientes têm até dez vezes mais chances de se tornar diabéticas do que as pacientes que não têm o ovário policístico”, explica.

Gatilho

Quando não tratada, a SOP tem algumas consequências de longo prazo que podem prejudicar a saúde. A primeira é o diabetes. As mulheres com a SOP têm também maior chance de ter doenças cardiovasculares, como infarto ou derrame, embora esses problemas sejam mais comum com a idade mais avançada.

“Se ela não trata essa menstruação desregulada, tem mais chance de ter câncer do endométrio, na parte interna do útero. Aquela parte que sangra todo mês, quando fica sem tratamento, por longos períodos sem menstruar, pode se tornar um câncer”, explica Maciel. Segundo o especialista, as meninas podem apresentar o problema desde a primeira menstruação, ainda na adolescência, mas é importante lembrar que nos dois primeiros anos que segue da primeira menstruação é normal que o ciclo seja irregular, e isso não tem nenhuma relação com o ovário policístico.

“É apenas uma imaturidade do sistema reprodutivo, que faz com que a menina não menstrue de maneira regular nos dois primeiros anos. Normalmente, a gente espera, durante esses dois anos, e se depois disso a menina continua com a menstruação muito irregular, que não vem todo mês ou atrasa muito, então começamos a desconfiar que ela possa ter a doença”, diz.

A ginecologista e obstetra Denise Gomes, de São Paulo, diz que o diagnóstico depende essencialmente dos sintomas e sinais clínicos. “Ele pode ser confirmado com exames laboratoriais e de imagem, como o ultrassom pélvico”, afirma.

Para Silva, ter uma vida saudável, praticar atividade física regularmente e ter uma alimentação equilibrada ajudam a afastar ou amenizar as possíveis consequências do problema. “Uma dieta com acompanhamento médico é tão ou mais importante que as medicações utilizadas.”

Engravidar é mais difícil

Um dos problemas associados à síndrome do ovário policístico é a dificuldade de engravidar. Segundo a ginecologista e obstetra Denise Gomes, além das alterações psíquicas, pelo ganho de peso, acne, pelos (o que reduz muito a autoestima da mulher), a dificuldade de engravidar é outra consequência. “Por isso recomendamos o tratamento da síndrome quando diagnosticada”, alerta.

Mas os especialistas garantem que, embora seja mais difícil, mulheres que têm a doença podem engravidar. “Ela eventualmente pode ter um pouco mais de dificuldade, porque não ovula todo mês, tem um problema de ovulação, então só consegue engravidar naquelas vezes em que ovulou. Por exemplo, se ela tem um caso mais severo e menstrua duas vezes por ano, quer dizer que, ao invés de 12, vai ter duas chances de engravidar.

Isso faz com que elas tenham um quadro de subfertilidade, não é infertilidade”, explica o ginecologista Gustavo Maciel. O ginecologista e obstetra Luiz Henrique Silva diz que existem estudos apontando maior taxa de abortamento em mulheres com a síndrome. “Com o desenvolver da gestação, pode ocorrer diabetes mellitus gestacional e hipertensão arterial.”

É por isso que Gustavo Maciel recomenda que essas pacientes tenham acompanhamento médico adequado para evitar esses possíveis problemas durante a gravidez.

Não há cura, mas estabilização A síndrome do ovário policístico é uma doença crônica. Isso significa que não existe um remédio que cure o problema definitivamente. “O tratamento é baseado nos sintomas que a paciente tem”, explica o ginecologista Gustavo Maciel. O ginecologista e obstetra Domingos Mantelli Borges Filho, de São Paulo, lembra que, em geral, o tratamento se baseia no uso prolongado de anticoncepcional hormonal para provocar a anovulação, ou seja, para manter os ovários em um estágio não ativo.

“Em algumas vezes, administramos medicação hipoglicemiante, indicada para o tratamento de diabetes. Tratamento derma-tológico também pode ser associado. Não consideramos cura para o problema, mas sim estabilização do mesmo”, afirma.

O departamento de Ginecologia do Hospital das Clínicas, em São Paulo, conta com um ambulatório específico para estudar a relação da síndrome com as alterações metabólicas, além do aspecto ginecológico. Além disso, o local oferece tratamento gratuito para a síndrome do ovário policístico.

Segundo Maciel, que coordena o ambulatório, o espaço foi inaugurado em 2006 para estudar os vários aspectos da doença, ou seja, os motivos que levam essas pacientes a ter risco aumentado de desenvolver diabetes, quais os remédios que podem ser usados para que elas não tenham a doença nos próximos anos, o que pode ser feito para que essas mulheres não tenham no futuro doenças cardiovasculares, entre outras questões relacionadas à síndrome.

“Essa doença, embora seja muito comum, é muito misteriosa, porque a gente não sabe o que causa. Há vários aspectos da doença que são desconhecidos”, explica o especialista. O atendimento no ambulatório é totalmente gratuito e parte da medicação também. “Se eventualmente o medicamento não está disponível na rede pública ou no HC, a paciente tem de comprar, mas a gente pode dizer que 95% do tratamento é disponibilizado pela rede pública”, diz.